História de Infância

sábado, 4 de dezembro de 2010


História de Infância
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Muita coisa na vida é preciso aprender, incorporar como detalhe adquirido e assumi-lo como parte integrante de nossa vida. E à medida que vamos conhecendo, vamos nos tornando maiores, dilatados, aptos a abarcar o mundo na sua complexidade de formas, cheiros e sabores.
Nesta manhã desejando apenas recostar minha cabeça em Teu peito, e ali permanecer quieta, tu me trás a memória história de infância. Revelas o mistério do cotidiano na experiência de ver e observar, tão próprio da condição humana.
Lembrei-me do primeiro dia de aula - jamais poderia ser esquecido porque ele não foi experimentado na solidão. Tudo o que foi partilhado no silêncio da cumplicidade certamente já se eternizou em algum lugar em mim.
Lembrei-me daquela que sempre foi à mão mais próxima. E porque não dizer, a primeira mão que Deus me ofereceu na experiência de ser humana. A experiência de ter mãe já é uma experiência antecipada da eternidade.
A escola representava para mim a primeira ruptura com essa mão. Ficar distante dela era muito penoso ao meu coração de menina. Vivia o período de aula desejosa de que o tempo voasse, para que enfim eu pudesse voltar à minha casa, o local dos meus sacramentos.
Lembrei-me do amor de infância (quem não o teve) – jamais poderia ser esquecido. Recordo-me do dia em que decidi declarar o meu amor, presenteado o ser amado com aquilo que tinha de mais precioso. Em uma caixinha transportava aquela pecinha de ouro que meu pai havia mandado fazer com pedra ametista, pois ele sabe que é a pedra que mais gosto. Sua cor exerce fascínio. Cheia de coragem com meus seis anos de idade – naquele tempo em que as meninas usavam vestidos rodados, bordados, tempo que não era crime contra a moda colocar laço de fita nos cabelos. Tempo em que a infância podia ser evidenciada, mostrada e valorizada. Tempo em que as crianças não tinham a obrigação de se portarem como pequenos adultos - lhe entreguei a caixinha. Junto um bilhete. Ao pé da mesa, silenciosa e confiante, esperei que ele lê-se o bilhete. Ao terminar de ler, aquele rapaz que deveria ter uns dezoito anos, sorriu, afagou meus cabelos e agradeceu, e eu segui para a sala de aula radiante.
Lembrei-me do dia em que toda a turma estava formada e ele passou e sorriu e a professora curiosa perguntou o que estava acontecendo.
Senti o chão se abrir. Pensei que seria exposta, que meus sentimentos seriam ridicularizados, tive medo do silêncio que desnuda os sentimentos e edifica um oráculo, a intimidade dos segredos que segregam quando não há barulho, a parte mais complexa das dores. Tive medo da rudeza das opiniões equivocadas, mas ao invés disso, ele afagou meus cabelos, sorriu e partiu.
Foi a última vez que vi aquele que aos meus seis anos me ensinou que significar é se fazer valer existencialmente. É ser para além do anonimato silencioso, inexpressivo, alcançando a pauta na qual a história é escrita, acrescentando-se no contexto sem perder a singularidade, mas ao mesmo tempo significando.
Hoje, passado algum tempo, me pego a pensar no significado daquele gesto salvífico.
Não são poucas as vezes que me fazes recordar o que um dia aprendi. Fazes-me vasculhar o baú da memória e encontrar o que procuro. Aí tenho a sensação de que aquele conhecimento se alojou num quarto da memória muito frequentando nos últimos dias. Meu esforço te desperta e Tu vem ao meu encontro e a boca proclama: “É isso! Você aprendeu!”.
E Teu sorriso e o jeito de me chamar demonstra intimidade que não se perde com o tempo.  Então me ajuda. Fala de coisas que vivemos juntos na época da infância, e aí sim, tudo clareia. Estou diante de um grande Amigo que há anos me encontra, e que de forma muito especial entra nos quartos de minha memória.
É isso! É assim que funciona. "Re-conhecer" é conhecer de novo e de um jeito novo. É reencontrar depois de um tempo distante e identificar alguns detalhes que o tempo não pôde modificar.
Reconheci aquilo que já conhecia e só o pude fazer porque saltaram aos meus olhos os detalhes que marcaram a minha experiência de Tê-lo, de ser Amigo, de me lembrar e de esquecer.
Depois desta visita, fui invadida por uma série de lembranças, sensações e sentimentos que me reportaram há anos na história. Por um bom momento voltei a ser menina e descobri que o meu coração é hoje uma cidade povoada que já não tenho mais o controle de quem nela já entrou e de quem dela já saiu.
Tu me ensinaste isto. Tu apenas puxaste o cordão da saudade e o armário se desarrumou de vez. Histórias de infância e outras que por ora já não me recordo mais...

Regina Lopes

 
 
 

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